Empresas que têm dívidas com o Fisco estão fazendo uma forte pressão com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para não pagar as multas e juros devidos sobre o Imposto de Renda (IR) quando são autuadas pela Receita Federal por sonegação.
A OAB entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 7347), no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando uma Medida Provisória (MP) do governo Lula (PT) que endurece as regras para as empresas devedoras. Trocando em miúdos, a OAB apoia a luta dos sonegadores contra o pagamento das dívidas com a cobrança das multas e juros devidos.
Para não pagar o que devem, pois vale muito mais a pena aplicar no mercado financeiro, os grandes sonegadores entram com uma ação no Conselho de Administração dos Recursos Fiscais (CARF), órgão da Receita Federal que julga se os recursos das empresas são válidos ou não.
“A média de um julgamento ser decidido no CARF é de nove anos; se o devedor recorre a Tribunais superiores, pode demorar mais nove anos. Portanto, para se concluir todo o processo leva-se 18 anos”, explica o presidente do Instituto de Justiça Fiscal (IJF), Dão Real Ferreira dos Santos, que é auditor-fiscal da Receita.
“E aí é que entra a ação da OAB contra a Medida Provisória do governo, defendendo a extinção de multas e juros desses devedores, caso eles já percam a ação na primeira instância, que é o CARF”, complementa Dão Real, que também é diretor do Sindicato dos Auditores-Fiscais (Sindifisco Nacional).
“É por esse e outros motivos que para os grandes sonegadores vale a pena não pagar o imposto. E eles querem mais, muito mais”, diz o presidente do IFJ.
Os empresários sonegadores se valem da demora da aplicação da lei para se livrar do pagamento do IR, coisa que o trabalhador não consegue, já que a parte do leão é descontada diretamente na folha de pagamento.
E não é apenas a desigualdade de tratamento entre empresários e trabalhadores que está em jogo. Sem arrecadação de impostos, o governo não pode investir em escolas, obras, saúde e moradias, entre outros programas sociais. Por isso, é importante entender como funciona a cobrança dos devedores e como a decisão do Supremo sobre o pagamento das multas e juros poderá impactar na vida da população.
Os sonegadores preferem muitas vezes deixar de pagar o imposto e aplicar o dinheiro no mercado financeiro que remunera mais do que o valor da dívida junto com a multa e os juros, afirma o auditor-fiscal da Receita.
“Hipoteticamente quem deve R$ 100 milhões há 10 anos, tem de pagar R$ 300 milhões ao governo, mas se aplicar no mercado financeiro, no mesmo período, pode ter lucro de R$ 400 milhões. Essa conta não é literal, mas é para entender como a sonegação, em muitos casos, é vantajosa”, diz o presidente do IJF.
Como é a atuação da Receita Federal
- Auditor-fiscal encontra irregularidades no imposto de renda da empresa e ele aplica uma multa de 75% sobre o valor sonegado; ele só pode ser retroativo há cinco anos.
- O auditor informa à empresa que ela tem 30 dias para pagar; se pagar nesse período o valor da multa é reduzido pela metade, ficando em 37,5%.
- Se o auditor constatar que a empresa fraudou e/ou falsificou documentos para não pagar o imposto a multa dobra e chega a 150%. Se a empresa pagar em 30 dias a multa volta a ser de 75%.
- O devedor pode entrar com uma ação no Conselho de Administração dos Recursos Fiscais (CARF), órgão da Receita Federal que julga se os recursos das empresas são válidos ou não.
- Se perder no CARF, o devedor pode ainda recorrer a outras instâncias da Justiça chegando até o Supremo Tribunal Federal;
- Se a Receita Federal perder a ação, não tem direito de recorrer aos outros tribunais.
- Os juros cobrados pela Receita são os da taxa básica de juros (Selic) do Banco Central (BC), atualmente em 13,75% ao ano.
- Mas, ao contrário dos brasileiros que têm dívidas com os bancos e têm de pagar juros sobre juros, o sonegador vai pagar apenas pelo juro real.
Por exemplo, se o empresário sonegador devia R$ 100 milhões em 2021, o valor sobe em 2022 para R$ 113,75 milhões. No ano seguinte os juros serão aplicados novamente sobre os R$ 100 milhões, a dívida original.
Já quem deve no cartão de crédito, paga juros sobre juros. Por exemplo: o cliente que deve R$ 100 paga 20% de juros ao ano dá R$ 20,00; mas se não pagar no ano seguinte tem mais 20% sobre os R$ 120,00 e não sobre os R$ 100,00 resultando num acréscimo de R$ 24,00, e assim por diante.
O que querem as empresas e a OAB
Para Dão Reis, a ação da Ordem dos Advogados do Brasil é uma chantagem com o governo federal, pois quer retirar o poder de punir os sonegadores.
“A OAB pede no Supremo para que sejam retiradas todas as multas e juros se a empresa começar a pagar em 90 dias e em 12 parcelas. E se a empresa decidir recorrer da ação que perdeu no CARF com o voto de desempate, o chamado voto de qualidade, apenas os juros seriam retomados, sem o pagamento da multa”, diz.
Outro pedido absurdo da OAB é o de na hipótese do julgamento ser decidido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade, seria cancelada a representação fiscal contra o devedor.
“O devedor que fraudou documentos para não pagar imposto responde por uma ação criminal. O que a OAB está pedindo, é que mesmo comprovando a sonegação ele não responda na justiça por esse crime. E ainda quer que esse benefício, a extinção das multas e juros sejam também aplicados aos casos já julgados pelo CARF e ainda pendentes de julgamento no Tribunal Regional Federal”.
Os empresários e a OAB querem que o sonegador não pague multas e que não seja processado pelo seu crime. Isso é negócio de pai para filho
Os empresários e a OAB querem que o sonegador não pague multas e que não seja processado pelo seu crime. Isso é negócio de pai para filho
Entenda o que a MP que muda no combate à sonegação
A pressão das empresas começou depois que o governo Lula (PT) publicou uma Medida Provisória (MP) nº 1160/2023, em janeiro, para que o voto de qualidade no Conselho de Administração dos Recursos Fiscais (CARF), órgão da Receita Federal que julga se os recursos das empresas são válidos ou não, volte a ser aplicado.
O voto de qualidade foi extinto em 2020 no governo de Jair Bolsonaro (PL). Isto significa que toda vez que o CARF julgasse uma ação de sonegação e o resultado fosse um empate, a empresa era favorecida e não precisava pagar o que havia sido definido por um auditor-fiscal da Receita.
A MP muda isso. Se houver empate quem decide se a empresa tem de pagar os impostos com juros e multas é o presidente do CARF, cargo hoje ocupado por um servidor público. O Conselho, com 160 membros, é composto por auditores-fiscais, empresários e apenas quatro representantes dos trabalhadores.
“Nem sempre o empate é dividido igualmente. Há votos de empresários contra o devedor e dos auditores da receita a favor. Por isso os devedores não deveriam recear pelo voto de desempate do presidente do CARF. Eles estão se antecipando a uma possível condenação”, avalia Dão.
A decisão sobre a MP que endurece as regras contra os sonegadores caberá ao Congresso Nacional. Uma Medida Provisória tem validade por 60 dias e prorrogável por mais 60 dias. Se não for votada dentro desse prazo, perde a sua eficácia.