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TEXTO: Cristian Góes - Mangue Jornalismo

Sobrecarga, precárias condições de trabalho e de salário, pressões: tudo isso tem levado os educadores ao esgotamento psicológico. Dados oficiais revelam que 2.445 professores do estado protocolaram requerimento de licença médica nos últimos meses. Isso chega a ser mais de 25% de todos os profissionais efetivos da rede de ensino em Sergipe.

Se há um tipo de profissional esgotado, com permanente instabilidade de saúde mental e que não nutre perspectiva de melhoria é o professor da rede pública estadual de Sergipe. Os depoimentos relatando cansaço, desânimo, ansiedade, estresse, pressão e depressão indicam que muitas professoras e professores em sala de aula estão em avançado processo de adoecimento.

Os tantos desabafos sobre doenças, lista de medicamentos para comprar, exames a fazer, diagnósticos de estafa mental, histórias de pressão, casos de assédio, sobrecarga e afastamentos da sala de aula confirmam, pelo menos em parte, alguns números oficiais.

Dados do Departamento de Perícia Médica da Secretaria de Estado da Administração (Sead) revelam que 2.445 professores da rede protocolaram requerimento de licença nos últimos meses, entre os anos de 2023 e 2024. Isso chega a ser mais de 25% de todos os profissionais de ensino efetivos do Governo de Sergipe.

Na busca pela perícia médica estão oficialmente casos de educadores em convalescença pós-cirúrgica, neoplasias, ansiedade, acompanhamento de tratamentos de familiares, licença maternidade, transtornos ortopédicos, entre outros.

Dos 2.445 profissionais da educação que foram afastados oficialmente de suas atividades em escolas, 565 não retornaram mais para a sala de aula ou seguem realizando algum tipo de tratamento. Segundo o levantamento da Perícia Médica, o tempo de duração médio de afastamento varia entre quatro a 297 dias.

A realidade de adoecimento pode ser mais grave do que indicam os dados oficiais. Muitos educadores sugerem que vários colegas com transtornos mentais não vão na Perícia Médica, alguns sequer percebem que estão doentes. Em muitos casos, professores fazem acordo com a direção da escola para um afastamento informal de alguns dias, mas com o compromisso de repor as aulas.

Esta é a segunda reportagem da série “Aula vaga: a precarização da carreira docente em Sergipe”, que a Mangue Jornalismo realiza graças à seleção do edital da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) em parceria com a Fundação Itaú. Na primeira, Ana Paula Rocha revelou que sem concurso para professores há quase 13 anos, Sergipe vê êxodo de educadores e precarização do ensino.

Agora, a Mangue mergulha na realidade de professores efetivos que resistem nas salas de aula e mostra as consequências da falta de concurso público. Além da sobrecarga de trabalho, há um vazio de sentido profissional coletivo em razão das escolas estarem lotadas de professores temporários. Essa é só uma questão em meio a um turbilhão de problemas, mas todos desaguando no adoecimento.

Dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros enfrentam a Síndrome de Burnout, uma condição ocupacional classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como distúrbio psíquico depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso. O Brasil ocupa a 2ª posição mundial em casos diagnosticados, perdendo apenas para o Japão.

“Quem vai escutar os professores?”

José Valdson de Santana é professor na cidade de Nossa Senhora da Glória, no Sertão sergipano, distante 120 km de Aracaju. Ele disse que na pandemia de Covid-19 desenvolveu crises de ansiedade, e desde então tenta lidar com esse transtorno. Valdson não passou pela perícia médica e não se afastou oficialmente da escola ou das salas de aulas, onde tem entre 35 e 40 alunos. Ele faz terapia por conta própria.

“Depois da pandemia, muitos estudantes chegaram doentes na sala de aula, agressivos, com crises de ansiedade, e encontram professores também nessas condições. O que fazer? Nós temos que acolher os alunos, escutá-los, orientar de alguma forma, mesmo sem a gente ter o preparo para isso. A questão é que nós também estamos doentes. Quem vai nos ouvir? Quem vai nos ajudar? Em vez disso, é mais pressão, sobrecarga. Quem aguenta uma vida dessa?”, pergunta Valdson.

Diante desse quadro, o professor afirma que não encontra “luz no fim do túnel. Ficamos doentes e acabamos perdemos um dia de aula porque não temos condições de saúde de enfrentar uma sala. Quando a gente chega na escola é cobrado: por que faltou? E vou seremos cobrado a repor aula porque o aluno não pode ficar sem o conteúdo. E o professor vai morrer, morrer trabalhando?”, desabafa.

Valdson relata ter vários colegas de trabalho doentes, com esgotamento psicológico, físico, mental e sem ajuda profissional. “Além da falta de concurso para efetivo, que poderia trazer gente nova para dividir com a gente essa dura jornada, existem outros graves problemas, como as más condições de trabalho, péssimas estruturas físicas, falta de material pedagógico. Você planeja uma coisa, chega na escola e não tem como realizar porque falta o básico. Isso dá um desânimo, uma desesperança”, afirma.
“Professor de mãos atadas, sofrendo, chorando em alguns momentos”

A professora Valéria Oliveira Menezes trabalha em uma escola na cidade de Japaratuba, 55 km da capital sergipana. Ela relata cansaço e frustração diante de tantas dificuldades para exercer de forma digna o magistério. “Necessitamos de material e não temos. Além do quadro branco, só recebemos um piloto por ano, de cor única, mas precisamos de material colorido, de recursos mínimos. Retroprojetor é ainda um sonho que está difícil de ser realizado”, revela.

Valéria se queixa do assédio moral, especialmente quando tem que realizar projetos impostos. Ela chega a gastar do seu salário para cumprir as metas. “Tudo isso é um desgaste muito grande. Reflete na nossa vida. A demanda é muito grande e você não consegue dar retorno de qualidade”, avalia. Para Valéria, “isso deixa o professor de mãos atadas, sofrendo, chorando em alguns momentos, porque o aluno está ali querendo aprender e você não consegue levar o que precisa”, completa a professora.

A professora lembra que o exercício do magistério exige dedicação e disposição, mas se associa a isso cargas de trabalho pesadas, recursos limitados, ausência de valorização, cobranças de atendimento às metas definidas externamente e distantes das realidades das comunidades escolares. “Os resultados são altos níveis de estresse, estado de exaustão mental e física, sentimentos de desilusão, desencantamento e desmotivação. Esse é o quadro vivenciado por muitos de nós”, afirma Leila.

Na avaliação da professora, os educadores enfrentam grande “desgaste emocional na medida em que recai sobre nós a responsabilidade de obter resultados, sem qualquer preparação e condições. Caso não consigamos, somos criminalizados. Enfim, vivemos com a imposição de uma política neoliberal na educação. Esse cenário doentio e perverso tem desencadeado problemas ainda mais graves na saúde mental da nossa categoria. Os processos de remanejamento de função são cada vez mais constantes, o que gera maior necessidade de concursos públicos para sanar as demandas, para além das questões de aposentadoria e falecimentos”, ressalta Leila.
“Muitos professores sequer percebem que estão doentes”

O professor de Língua Portuguesa Luciano Acciole trabalha no município de Japaratuba e disse que vem percebendo nos últimos anos um enorme crescimento de colegas doentes e que não se percebem nessa condição. “São doentes invisíveis, não estão nas estatísticas. Não é doente para a unidade escolar, e nem ele mesmo se acha doente, porém vive esgotado, cansado, estressado, sofrendo por uma série de cobranças, chorando. Ou seja, sem nenhuma condição psicológica de enfrentar salas de aula de 40 alunos todos os dias. Estão doentes, mas não se reconhecem”, afirma.

Luciano disse que há casos de professoras que não se afastam da sala de aula porque caso apresentem um atestado médico serão tratadas na escola como preguiçosas. “Isso é um absurdo. É enorme a pressão em cima do professor, as péssimas condições de trabalho, o piso salarial que não é respeitado, a ameaça de retirada de direitos. A situação está ficando insustentável”, afirma.

O professor lembrou de uma colega de trabalho que ministrava aulas de inglês e quando chegava na sala dos professores, deitava no sofá e começava a chorar. “Isso sempre acontecia. A gente perguntava o que estava acontecendo e ela não tinha nem forças para colocar para fora o que estava acontecendo. Não sabia explicar”, relata.

Luciano também traz o relato sobre sua irmã, também professora da rede estadual, e que, como muitas, só pensam em se aposentar. “Ela e muitos colegas vivem na luta pela aposentadoria porque estão tão cansados, estressados que só querem deixar a sala de aula. Tenho pena de minha irmã. Está esgotada, sem voz. Ela precisa se aposentar, mas ainda não tem tempo”, disse o professor.
“Se me aposentar, vou ter redução salarial”

Hildete Cruz é professora da rede pública em Santo Amaro das Brotas, distante 40 km de Aracaju. Ela já tem 26 anos de sala de aula e já poderia estar aposentada, mas resiste a deixar a escola porque alega que não terá condições financeiras de se manter com os vencimentos da aposentadoria. “Se eu me aposentar, vou ter uma redução muito grande em minha renda atual, por isso vou ficando até quando Deus quiser”, justifica.

Apesar de tanto tempo em sala de aula e enfrentando turmas com 33 estudantes, Hildete afirma continuar firme, forte, alegre e com disposição de continuar, como ela mesma diz: “até quando Deus quiser”. Ela informa ter vários colegas de trabalho adoecidos, que se afastam do trabalho para cuidar de doenças, especialmente das causadas por causa do trabalho na escola. “São vários colegas com depressão. É uma realidade triste, mas não tem outro jeito, eu vou continuando”, conta.

Governo criou o Acolher, programa de atenção psicossocial nas escolas

A Mangue Jornalismo procurou o Governo do Estado para saber quais ações têm sido realizadas no sentido de enfrentar o permanente adoecimento de professoras e professores em Sergipe. Por meio de nota, a Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (Seduc) informou que “desenvolve trabalhos para a atenção psicossocial dos professores e demais servidores e prevê em sua estrutura administrativa estabelecida pelo Decreto nº 40.785 de 09 de março de 2021, a Divisão de Bem-Estar (DIBEM), que integra o Departamento de Recursos Humanos (DRH). Esta divisão foi pensada para realizar ações de prevenção, promoção, atenção e cuidado junto aos servidores”.

Além disso, informa a Seduc, que “também conta com o Programa de Atenção Psicossocial nas Escolas da Rede Estadual, denominado Acolher, que foi idealizado para atender a rede estadual, conforme Lei 13.935/2019, e atende estudantes da rede e estabelece uma interface com os professores, servidores e familiares. Neste sentido, as ações do Programa Acolher junto aos professores e demais servidores seguem o fluxo das demandas encaminhadas pela escola, de modo que sejam adotadas medidas de acolhimento e encaminhamento ao DRH para que outras intervenções sejam realizadas”.

A nota destaca que “as escolas estaduais fazem todo encaminhamento via Sistema de Ocorrência Escolar (ROE) da demanda para a equipe local do Programa Acolher e para o Departamento de Recursos Humanos. Os episódios podem envolver professores, demais servidores e estudantes que necessitam de atendimento psicossocial”. Sobre os professores e demais servidores, “os profissionais da Psicologia e do Serviço Social realizam escutas qualificadas, constroem as condições efetivas para orientações que viabilizem o bem-estar dos profissionais da educação e realizam encaminhamentos para possíveis cuidados com a saúde mental”.

Segundo o Governo do Estado, “as escolas solicitam a participação dos profissionais do Acolher nas reuniões pedagógicas com foco na formação dos professores, em projetos pedagógicos que envolvem toda a comunidade escolar e no acolhimento dos profissionais em situações que envolvem conflitos intraescolares e que provocam situações de estresse.

Mais de 1200 atendimentos em um ano de implantação

A Seduc informou que “o programa Acolher tem se destacado como uma iniciativa transformadora no ambiente escolar da rede pública estadual de ensino. Com mais de 1200 atendimentos em um ano de implantação do programa, o Acolher traz resultados significativos para alunos, professores e servidores, oferecendo suporte psicossocial nas escolas, fornecendo apoio emocional, social e educacional para toda a comunidade escolar. São 95 profissionais da Psicologia e do Serviço Social distribuídos nas dez Diretorias Regionais de Educação, com foco na melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem, em todas as 318 escolas da rede pública estadual. O programa oferta a escuta de estudantes, professores e servidores e possibilita uma política de ações psicossociais e construção de narrativas positivas, gerando bem-estar no ambiente escolar”.

Segundo o governo, “o Acolher é considerado como um dos maiores programas presenciais de psicólogos e assistentes sociais nas escolas sergipanas e atende a Lei Federal n° 13.935, de 11 de dezembro de 2019, que orienta a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. Não se trata de atendimento clínico ou psicoterapêutico, haja vista que essa é uma função desenvolvida na seara da saúde”.

O Acolher, conforme informou a Seduc, “também oferece acolhimento às famílias dos alunos, reconhecendo sua importância na comunidade escolar. Além disso, os professores e demais servidores contam com apoio emocional e psicológico por meio de parcerias com o Departamento de Recursos Humanos da Seduc. Essa abordagem integral visa promover o bem-estar de toda a comunidade escolar, reconhecendo a importância de cuidar tanto dos alunos quanto dos profissionais da educação. O programa é responsável por cuidar também dos servidores da escola, reconhecendo a importância de garantir que também recebam apoio emocional e psicológico. Ao cuidar dos funcionários, o programa contribui para um ambiente de trabalho saudável e para o bem-estar de toda a comunidade escolar”.

 

Fonte:https://manguejornalismo.org/professores-de-sergipe-estao-esgotados-e-doentes-mais-de-25-deles-ja-estiveram-na-pericia-medica/

 

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