Anos eleitorais são marcados por entrega de obras e benesses governamentais. Mas desta vez, enquanto o governo federal precisa bloquear recursos para bancar despesas que vão custar mais do que o orçado, estados e municípios vivem um momento de bonança, com uma sobra de centenas de bilhões de reais. Esses entes da federação nunca tiveram tanto dinheiro em caixa quanto nos últimos três anos.
A sobra em caixa dos estados também aumenta a cobiça do governo federal, que vem tomando medidas para aliviar o bolso do consumidor passando o chapéu alheio, como a articulação para reduzir o ICMS, principal tributo estadual. A avaliação de um integrante do Executivo é que os governadores arrecadaram como nunca e não têm sensibilidade social neste momento: driblam o Congresso e se recusam a baixar o ICMS de produtos e serviços essenciais à população.
Um levantamento da economista Vilma Pinto, da Instituição Fiscal Independente (IFI), feito a pedido do GLOBO, mostra que os estados tinham, até o fim do primeiro bimestre deste ano, R$ 319,8 bilhões para gastar. Os municípios contavam com R$ 185,7 bilhões. Isso representa um total de R$ 505,5 bilhões brutos disponíveis em caixa.
Parte desse montante é carimbada, ou seja, só pode ser usada para gastos específicos, como em saúde e educação, o que limita a ação dos governos. Mas há sobras para obras, reajustes e programas. Essa conta já exclui recursos que serão usados para pagamento de dívidas.
— A gente tem um aumento significativo na disponibilidade de caixa dos estados e municípios, muito em decorrência do aumento de receitas — observa a economista.
Ganhos na pandemia
Os governos locais se beneficiaram da transferência de recursos durante a pandemia e da alta da inflação, que turbina a arrecadação. Além disso, não precisam cumprir os limites do teto de gastos impostos à União. Assim, além de aumentos salariais, estão executando grandes obras no país.
A outra razão é o aumento da base de arrecadação dos estados, também influenciada pela aceleração da inflação. Em 2021, os estados arrecadaram R$ 652,42 bilhões com ICMS, e 27,4% desse total — R$ 178,9 bilhões — saíram da tributação de energia e combustíveis.
— No caso dos estados, o principal tributo é o ICMS, e boa parte é vinculada a energia e combustíveis, que estão tendo um choque muito grande de preços, e acabam impactando, em termos proporcionais, de forma maior a arrecadação — explica Vilma.
Esses itens estão na mira do governo federal e do Congresso. Nesta semana, o Executivo tentará aprovar, na Câmara, um projeto que limita o teto do ICMS para combustíveis, água, energia elétrica e telecomunicações a 17%, o que pode derrubar em R$ 70 bilhões a R$ 100 bilhões anuais a arrecadação dos estados, como mostrou o GLOBO.
Em 2014, também ano eleitoral, os estados fecharam o ano com caixa bruto de R$ 130,3 bilhões, em valores corrigidos pela inflação, de acordo com o levantamento feito por Vilma Pinto. Esse número chegou ao menor patamar da série em outro ano eleitoral, 2018, quando a sobra foi de R$ 116 bilhões. A partir do ano seguinte, a folga começou a aumentar e chegou a R$ 269,5 bilhões, reflexo de mais repasses e alta da arrecadação.
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Com mais dinheiro em caixa, mais obras estão saindo do papel, o que é ainda mais interessante em ano de eleição.
— Estados e municípios tiveram sobra de caixa imensa neste período de pandemia e contrataram muito — disse o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, José Carlos Martins.
Mas Vilma alerta: é preciso planejar bem onde gastar, para o investimento não virar dor de cabeça depois.
— O investimento de hoje vira uma despesa corrente amanhã. Se você constrói um hospital, hoje ele é investimento, mas amanhã é gasto com pessoal e material. As decisões de investimento têm que ser pensadas de forma coordenada e planejada, para saber se vão gerar retorno para a população e se o custeio vai caber no orçamento.
Obras avançam nos estados
O governo de São Paulo usa o dinheiro em caixa para tocar obras como quatro projetos para o metrô na capital do estado, com previsão de entrega até 2026
O estado de São Paulo é o que tem mais dinheiro, cerca de R$ 78 bilhões em caixa. O governador Rodrigo Garcia (PSDB) vai tentar a reeleição e há muitas obras em andamento. Só nas linhas de metrô, há quatro empreitadas com previsão de entrega até 2026 e custo de R$ 36,4 bilhões. Até o fim deste ano, o estado deve entregar melhorias dos programas Estradas Vicinais e Estrada Asfaltada, que custaram R$ 8,2 bilhões. Outro exemplo é o Hospital Pérola Byington, que está quase finalizado e custou R$ 245 milhões.
No Rio de Janeiro, onde o governador Claudio Castro (PL) também tenta a reeleição, há obras de longo prazo, como o metrô leve e outras em finalização. como a nova sede do Museu da Imagem e do Som, na Praia de Copacabana. O governo já investiu R$ 79 milhões e está injetando mais R$ 54 milhões nessa fase. O teleférico do Alemão também será recuperado. Os investimentos somam R$ 166,9 milhões.
O governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), outro que busca a reeleição, tem investimento programado de R$ 450 milhões em obras para implantação de novas redes de energia. Também está avançada a execução da nova Ponte da Integração Brasil-Paraguai, fruto de parceria entre os governos do estado, federal e a Itaipu Binacional, com investimento de R$ 323 milhões.
Com o governador Ibaneis Rocha (MDB) buscando se reeleger, várias obras no Distrito Federal devem ser inauguradas neste ano. Destacam-se a construção de um túnel na cidade satélite de Taguatinga, no valor de R$ 275 milhões, e melhorias em Vicente Pires (R$ 157 milhões). Em Goiás, estão sendo investidos R$ 409 milhões em estradas e quase RS$ 600 milhões em saneamento, entre uma série de contratações. O governador goiano, Ronaldo Caiado (União Brasil), também está na briga para se reeleger.